CONTRIBUIÇÃO COM O SITE
 
marcio ruben
pix 01033750743 cpf
bradesco
 


Entrevista com Heidegger

Vídeo Raríssimo

Acesse

Baixe Ser Y Tiempo

Alemanha

Sem o advento do nazismo*, que a esvaziou
da quase totalidade de seus intelectuais e eruditos,
a Alemanha teria sido o mais poderoso país
de implantação da psicanálise*. Se fosse necessário
comprovar essa afirmação, bastariam os
nomes de seus prestigiosos fundadores, que se
naturalizaram americanos, quando não morreram
antes de poder emigrar: Karl Abraham*,
Max Eitingon*, Otto Fenichel*, Ernst Simmel*,
Otto Gross*, Georg Groddeck*, Wilhelm
Reich*, Erich Fromm*, Karen Horney*.
Como em quase todos os países do mundo,
as teses freudianas foram consideradas, na Alemanha,
como um pansexualismo*, uma “porcaria
sexual”, uma “epidemia psíquica”. Tratada
de “psiquiatria de dona de casa” pelos meios da
medicina acadêmica, a psicanálise foi mal aceita
pelos grandes nomes do saber psiquiátrico, e
principalmente por Emil Kraepelin*. Reprovavam
o seu estilo literário e a sua metapsicologia*,
embora Freud tivesse assimilado em seus
trabalhos uma parte importante da nosologia
kraepeliniana. Entretanto, foi mesmo no campo
do saber psiquiátrico que ela acabou por ser
reconhecida, graças à ação de alguns pioneiros.
Na virada do século XX, eles começaram a
descobrir a obra freudiana, praticando a hipnose*
ou interessando-se pela sexologia*; entre
eles, Arthur Muthmann (1875-1957). Estimulado
por Sigmund Freud* e Carl Gustav
Jung* a desenvolver atividades psicanalíticas,
não se afastou do método catártico e rompeu
com o freudismo* em 1909. Por sua vez, Hermann
Oppenheim (1858-1918), neurologista
judeu berlinense, recebeu favoravelmente os
trabalhos clínicos da psicanálise, antes de criticá-
los duramente, como aliás Theodor Ziehen
(1862-1950), inventor da noção de complexo*
e titular da cátedra de psiquiatria de Berlim.
No nível universitário, a resistência se manifestou
de modo mais determinado. Como sublinha
Jacques Le Rider, “a psicologia alemã
construíra a sua reputação sobre a pesquisa em
laboratório, sobre um método científico do qual
a física e a química eram o modelo ideal, e cujo
espírito positivo pretendia banir qualquer especulação,
reconhecendo apenas um saber sintético:
a biologia”. A escola alemã de psicologia
reagiu contra a Naturphilosophie do século
XIX, essa ciência da alma que florescera na
esteira do romantismo e de que se nutriam os
trabalhos freudianos. Thomas Mann* seria um
dos poucos a reconhecer o valor científico desse
freudismo julgado excessivamente literário pelos
psicólogos universitários.
No campo da filosofia, a psicanálise passava
por ser aquele “psicologismo” denunciado por
Edmund Husserl desde seus primeiros trabalhos.
Assim, ela foi criticada em 1913 por Karl
Jaspers (1883-1969) em uma obra monumental,
Psicopatologia geral, que teve um grande papel
na gênese de uma psiquiatria fenomenológica,
principalmente na França*, em torno de Eugène
Minkowski*, de Daniel Lagache* e do jovem
Jacques Lacan*. Em 1937, Alexander Mitscherlisch*
tentou convencer Jaspers a modificar a
sua opinião, mas chocou-se com a hostilidade
do filósofo, que manteve-se surdo aos seus argumentos.
Segundo Ernest Jones*, o ano de 1907 marcou
o início do progresso internacional da psicanálise
e o fim do “esplêndido isolamento” de
Freud. Ora, nesse ano, dois assistentes de Eugen
Bleuler* na Clínica do Hospital Burghölzli se
juntaram a ele: Max Eitingon e Karl Abraham,
futuro organizador do movimento berlinense:
“Tenho a intenção de deixar Zurique dentro de
um mês, escreveu-lhe em 10 de outubro de
1907. Com isso, abandono a minha atividade
anterior [...]. Na Alemanha como judeu, na Suíça
como não-suíço, não consegui ir além de um
posto de assistente. Agora, vou tentar trabalhar
em Berlim como especialista em doenças nervosas
e psíquicas.” Sempre à procura, desde o
fim de sua amizade com Wilhelm Fliess*, de
uma renovação do poder alemão, Freud lhe
respondeu: “Não é mau para um jovem como
você ser empurrado violentamente para a ‘vida
ao ar livre’, e sua condição de judeu, aumentando
as dificuldades, terá, como para todos nós, o
efeito de manifestar plenamente as suas capacidades
[...]. Se minha amizade com o doutor W.
Fliess ainda subsistisse, o caminho estaria aberto
para você; infelizmente, esse caminho está
agora totalmente fechado.”
Depois da Suíça*, a Alemanha tornou-se
assim a segunda “terra prometida” da psicanálise.
No ano seguinte, foi a vez dos Estados
Unidos*.
10 Alemanha
Desde a sua chegada, Abraham começou a
organizar o movimento. No dia 27 de agosto de
1908, fundou a Associação Psicanalítica de
Berlim, com Otto Juliusburger*, Ivan Bloch,
Magnus Hirschfeld*, Heinrich Körber. Esse
grupo assumiu uma importância crescente. Três
congressos se realizaram em cidades alemãs:
Nuremberg em 1910, onde foi criada a International
Psychoanalytical Association* (IPA),
Weimar em 1911, do qual participaram 116
congressistas, Munique em 1913, quando se
consumou a partida de Jung e seus partidários.
Um ano depois, Freud pediu a Abraham que
sucedesse a Jung na direção da IPA.
A derrota dos impérios centrais modificou o
destino da psicanálise. Se a Sociedade Psicanalítica
Vienense (WPV) continuou ativa, em razão
da presença de Freud e do afluxo dos americanos,
perdeu toda a sua influência em benefício
do grupo berlinense. Arruinados, os analistas
austríacos emigraram para a Alemanha a
fim de restabelecer suas finanças, seguidos pelos
húngaros, obrigados a fugir do regime ditatorial
do almirante Horthy, depois do fracasso
da Comuna de Budapeste. Vencida sem ser
destruída, a Alemanha podia assim reconquistar
um poder intelectual que o antigo reino dos
Habsburgo perdera. Berlim tornou-se pois, segundo
as palavras de Ernest Jones, o “coração
de todo o movimento psicanalítico internacional”,
isto é, um pólo de divulgação das teses
freudianas tão importante quanto fora Zurique
no começo do século.
Em 1918, Simmel reuniu-se a Abraham e a
Eitingon, seguido dois anos depois por Hanns
Sachs*. A Associação Berlinense se vinculara
então à IPA, sob o nome de Deutsche Psychoanalytische
Gesellschaft (DPG). Estava aberto o
caminho para a criação de institutos que permitissem
simultaneamente formar terapeutas (“reproduzir
a espécie analítica” como dizia Eitingon),
e enraizar os tratamentos psicanalíticos
em um terreno social. Desde o início da Sociedade
Psicológica das Quarta-Feiras*, já existia
a idéia de uma psicanálise de massa, capaz de
tratar dos pobres e despertar as consciências. No
Congresso de Budapeste em 1918, Freud estimulara
esse projeto de transformar ao mesmo
tempo o mundo e as almas. Pensava em criar
clínicas dirigidas por médicos que tivessem
recebido uma formação psicanalítica e que
acolhessem gratuitamente pacientes de baixa
renda.
Ativado por Simmel e Eitingon, sob a direção
de Abraham, esse programa recebeu o apoio
das autoridades governamentais e dos meios
acadêmicos. Ernst Freud* preparou locais na
Potsdamer Strasse, e a famosa Policlínica abriu
suas portas a 14 de fevereiro de 1920, ao mesmo
tempo que o Berliner Psychoanalytisches Institut*
(BPI).
Esse Instituto não só permitiria aperfeiçoar
os princípios da análise didática* e formar a
maioria dos grandes terapeutas do movimento
freudiano, mas também serviria de modelo para
todos os institutos criados pela IPA no mundo.
Quanto à Policlínica, esta foi um verdadeiro
laboratório para a elaboração de novas técnicas
de tratamento. Em 1930, no seu “Relatório
original sobre os dez anos de atividade do BPI”,
Eitingon expôs um balanço detalhado da experiência:
94 terapeutas em atividade, 1.955 consultas,
721 tratamentos psicanalíticos, entre os
quais 363 tratamentos terminados e 111 casos
de cura, 205 de melhora e apenas 47 fracassos.
A esse sucesso, acrescentavam-se as atividades
de Wilhelm Reich e Georg Groddeck, que contribuíram
também para a difusão do freudismo
na Alemanha.
Centro da divulgação clínica, Berlim continuava
sendo pioneira de um certo conservadorismo
político e doutrinário. E foi Frankfurt que
se tornou o lugar da reflexão intelectual, dando
origem à corrente da “esquerda freudiana”, sob
a influência de Otto Fenichel, e à instituição do
Frankfurter Psychoanalytisches Institut.
Criado em 1929 por Karl Landauer* e Heinrich
Meng*, esse instituto se distinguia do de
Berlim por sua colaboração intensa com o Institut
für Sozialforschung, em cujos locais se
instalara, e onde trabalharam notadamente
Erich Fromm*, Herbert Marcuse*, Theodor
Adorno (1903-1969), Max Horkheimer (1895-
1973). Núcleo fundador da futura Escola de
Frankfurt, esse instituto de pesquisas sociais
fundado em 1923 originou a elaboração da
teoria crítica, doutrina sociológica e filosófica
que se apoiava simultaneamente na psicanálise,
na fenomenologia e no marxismo, para refletir
sobre as condições de produção da cultura no
Alemanha 11
seio de uma sociedade dominada pela racionalidade
tecnológica.
Em 1942, em uma carta iluminada a Leo
Lowenthal, Horkheimer explicou claramente a
dívida da Escola de Frankfurt para com a teoria
freudiana: “Seu pensamento é uma das Bildungsmächte
[pedras angulares] sem as quais a
nossa própria filosofia não seria o que é. Nestas
últimas semanas, mais uma vez, tenho consciência
da sua grandeza. Muito se disse, como
sabemos, que o seu método original correspondia
essencialmente à natureza da burguesia
muito refinada de Viena, na época em que ele
foi concebido. Claro que isso é totalmente falso
em geral, mas mesmo que houvesse um grão de
verdade, isso em nada invalidaria a obra de
Freud. Quanto maior for uma obra, mais estará
enraizada em uma situação histórica concreta.”
Única instituição alemã a difundir cursos na
universidade, o Instituto Psicanalítico de Frankfurt
teria um belo futuro. Não formando didatas,
mostrou-se mais aberto aos debates teóricos do
que seu análogo berlinense.
Em 1930, graças à intervenção do escritor
Alfons Paquet (1881-1944), a cidade concedeu
a Freud o prêmio Goethe. Em seu discurso, lido
por sua filha Anna, Freud prestou homenagem
à Naturphilosophie, símbolo do laço espiritual
que unia a Alemanha à Áustria, e à beleza da
obra de Goethe, segundo ele próxima do eros
platônico encerrado no âmago da psicanálise.
Depois da ascensão de Hitler ao poder, Matthias
Göring, primo do marechal, decidido a
depurar a doutrina freudiana de seu “espírito
judaico”, pôs em prática o programa de “arianização
da psicanálise”, que previa a exclusão dos
judeus e a transformação do vocabulário. Rapidamente,
conquistou as boas graças de alguns
freudianos, dispostos a se lançarem nessa aventura,
como Felix Boehm* e Carl Müller-Braunschweig*,
aos quais se reuniram depois Harald
Schultz-Hencke* e Werner Kemper*. Nenhum
deles estava engajado na causa do nazismo.
Membros da DPG e do BPI, um freudiano
ortodoxo, o segundo adleriano e o terceiro neutro,
simplesmente tinham ciúme de seus colegas
judeus. Assim, o advento do nacional-socialismo
foi para eles uma boa oportunidade de fazer
carreira.
Em 1930, a DPG tinha 90 membros, na
maioria judeus. Já em 1933, estes tomaram o
caminho do exílio. Em 1935, um terço dos
membros da DPG ainda residia na Alemanha,
entre os quais nove judeus. Tornando-se senhores
desse grupo, alijado de seus melhores
elementos, Boehm e Müller-Braunschweig fundaram
o seu colaboracionismo sobre a seguinte
tese: para não dar aos nazistas um pretexto
qualquer para proibir a psicanálise, bastava antecipar
as suas ordens, excluindo os judeus da
DPG, disfarçando essa exclusão de demissão
voluntária. Deu-se a essa operação o nome de
“salvamento da psicanálise”.
Ernest Jones, presidente da IPA, aceitou essa
política, e em 1935, presidiu oficialmente a
sessão da DPG durante a qual os nove membros
judeus foram obrigados a se demitir. Um único
não-judeu recusou essa política: chamava-se
Bernhard Kamm e deixou a Sociedade em solidariedade
aos excluídos. Originário de Praga,
acabava de aderir à DPG. Tomando imediatamente
o caminho do exílio, instalou-se em Topeka,
no Kansas, com Karl Menninger*.
Como afirmou muito bem Regine Lockot
em um artigo de 1995, Freud qualificou de
“triste debate” todo esse caso. Mas, em uma
carta a Eitingon, de 21 de março de 1933,
mostrou-se mais preocupado com os “inimigos
internos” da psicanálise, notadamente os adlerianos
e Wilhelm Reich. Assim, concentrou todos
os seus ataques contra Harald Schultz-
Hencke, julgado mais perigoso por suas posições
adlerianas do que por seu engajamento
pró-nazista. Esse erro de apreciação foi expresso
com toda a liberdade no relato que Boehm
fez, em agosto de 1934, de uma visita a Freud:
“Antes de nos separarmos, Freud expressou
dois desejos relativamente à direção da Sociedade
[DPG]: primeiro, Schultz-Hencke nunca
deveria ser eleito para o comitê diretor da nossa
Sociedade. Eu lhe dei minha palavra no sentido
de jamais participar de uma sessão com ele.
Segundo: ‘Livrem-me de W. Reich.’”
Em 1936, Göring realizou enfim o seu sonho.
Criou o Deutsche Institut für Psychologische
Forschung (Instituto Alemão de Pesquisa
Psicológica e Psicoterapia), logo chamado de
Göring Institut, no qual se reuniram freudianos,
junguianos e independentes.
12 Alemanha
Longe de se contentar com essa forma de
colaboração, Felix Boehm foi a Viena, em
1938, para convencer Freud da necessidade do
“salvamento” da psicanálise na Alemanha. Depois
de escutá-lo durante um longo tempo, o
mestre, furioso, levantou-se e saiu do recinto.
Desaprovava a tese do pretenso “salvamento”,
e desprezava a baixeza de seus partidários. Todavia,
recusou-se a usar sua autoridade junto a
Jones e não interveio para evitar que a IPA
entrasse na engrenagem da colaboração. Era
tarde demais, pensava ele. Jones aplicara a sua
política a partir de uma posição, inicialmente
compartilhada por Freud, que consistia em privilegiar
a defesa de um freudismo nu e cru
(contra os “desvios” adleriano ou reichiano),
em detrimento de uma recusa absoluta de qualquer
colaboração nas condições oferecidas por
Boehm e Müller-Braunschweig.
Ao longo de toda a guerra, cerca de 20
freudianos prosseguiram suas atividades terapêuticas
sob a égide do Instituto Göring, contribuindo
assim para destruir a psicanálise, da
qual se tinham tornado donos. Trataram de pacientes
comuns, provenientes de todas as classes
sociais e atingidos por simples neuroses* ou
por doenças mentais: psicoses*, epilepsias, retardos
— com a exceção dos judeus, excluídos
de qualquer tratamento e enviados imediatamente
para campos de concentração. Boehm
encarregou-se pessoalmente da “perícia” dos
homossexuais e Kemper da “seleção” dos neuróticos
de guerra. Johannes Schultz* “experimentou”
nesse quadro os princípios de seu treinamento
autógeno.
Nas fileiras da extinta DPG, John Rittmeister*,
August Watermann*, Karl Landauer* e Salomea
Kempner* foram assassinados pelos nazistas,
como também vários outros terapeutas
húngaros ou austríacos que não conseguiram
exilar-se.
Enquanto se desenrolavam os “tratamentos”
do Instituto Göring, a direção do Ministério da
Saúde do Reich se encarregava de aplicar aos
doentes mentais “medidas de eutanásia”. Após
o episódio da substituição de Ernst Kretschmer*
por Carl Gustav Jung à frente do Allgemeine
Ärtzliche Gesellschaft für Psychotherapie
(AAGP), a psiquiatria alemã sofrera a mesma
arianização que a psicanálise, sob a direção de
Leonardo Conti (1900-1945), primeiro presidente
dos médicos do Reich, depois de todas as
organizações de saúde do partido e do Estado,
das quais, aliás, dependia o Göring Institut. Em
outubro de 1939, ocorreu o recenseamento dos
hospícios e asilos, que foram classificados em
três grupos. Alguns meses depois, em janeiro
de 1940, em Berlim, na antiga prisão de Brandenburg-
Havel, os especialistas em “eutanásia”
começaram a exterminar esses doentes usando
um gás, o monóxido de carbono.
Depois da vitória dos Aliados, o Instituto
Göring e o BPI foram reduzidos a cinzas. Sempre
presidente da IPA e gozando do apoio de
John Rickman*, Jones ajudou os colaboracionistas
a reintegrar-se à IPA. A Müller-Braunschweig
e a Boehm, confiou a reconstrução da
antiga DPG, e a Kemper a missão de desenvolver
o freudismo no Brasil*. Como em 1933,
mostrou-se mais preocupado em restaurar a
ortodoxia em matéria de análise didática do que
em proceder à exclusão de antigos colaboracionistas.
Assim, validou posteriormente a tese do
suposto “salvamento”, oferecendo à geração*
seguinte uma visão apologética do passado.
Mas como a Alemanha devia ser punida pelos
seus erros, foi posta em quarentena pela IPA até
1985, data em que alguns historiadores começaram
a publicar trabalhos críticos, mostrando
as conseqüências desastrosas da política de Jones
e revelando o passado dos cinco principais
responsáveis pela “arianização” da psicanálise.
Em 1950, acreditando escapar ao opróbrio
que pesava sobre a DPG, Müller-Braunschweig
se separou de Boehm para criar uma nova sociedade,
a Deutsche Psychoanalytische Vereinigung
(DPV). Esta foi integrada à IPA no ano
seguinte (a DPG nunca conseguiu isso), enquanto
Schultz-Hencke desenvolvia a sua própria
doutrina: a neopsicanálise. A DPG e a DPV
continuaram a propagar a mesma idealização
do passado, a fim de justificar a antiga política
de colaboração.
A partir de 1947, só Alexander Mitscherlich
conseguiu salvar a honra do freudismo alemão
e da DPV, criando a revista Psyche, fundando
em Frankfurt o Instituto Freud e obrigando as
novas gerações a um imenso trabalho de rememoração
e lembrança. Desterrada de sua antiga
capital, a psicanálise pôde renascer na Repúbli-
Alemanha 13
ca Federal, ao passo que, na Alemanha Oriental,
era condenada como “ciência burguesa”.
Assim, a cidade de Frankfurt esteve na vanguarda
do movimento psicanalítico alemão durante
a segunda metade do século. Voltando a
dar vida à sua escola, Adorno e Horkheimer
desempenharam um grande papel, com Mitscherlich,
nesse desenvolvimento, do qual
emergiu uma nova reflexão clínica e política
sobre a sociedade alemã do pós-nazismo, assim
como trabalhos eruditos: os de Ilse Grubrich-Simitis,
por exemplo, a melhor especialista em
manuscritos de Freud. Com doze institutos de
formação, distribuídos pelas principais cidades
(Hamburgo, Freiburg, Tübingen, Colônia etc.)
e cerca de 800 membros, a DPV é hoje uma
poderosa organização freudiana.
Entretanto, desde 1970, como por toda a
parte, o surgimento de múltiplas escolas de
psicoterapia* contribuiu para fender as posições
da psicanálise. Além disso, asfixiada por um
sistema médico que permitia às caixas de assistência
médica reembolsarem os tratamentos,
sob condição de uma “perícia” prévia dos casos,
ela se banalizou e tornou-se uma prática como
as outras, pragmática, esclerosada, rotineira e
limitada a um ideal técnico de cura rápida.
Nessa data, Mitscherlich pensou que ela estava
desaparecendo na Alemanha.
Alguns anos depois, a obra de Lacan, impregnada
de hegelianismo e de heideggerianismo,
apareceu no cenário universitário alemão,
essencialmente nos departamentos de filosofia.
No plano clínico, o lacanismo* nunca conseguiu
implantar-se, a não ser em pequenos grupos
marginais, compostos de não-médicos e sem
relação com os grandes institutos da IPA.
• Sigmund Freud, “A história do movimento psicanalítico”
(1914), ESB, XIV, 16-88; GW, X, 44-113; SE, XIV,
7-66; Paris, Gallimard, 1991 • Sigmund Freud e Karl
Abraham, Correspondance, 1907-1926 (Frankfurt,
1965), Paris, Gallimard, 1969 • Martin Jay, L’Imagination
dialectique. Histoire de l’École de Francfort, 1923-
1950 (Boston, 1973), Paris, Payot, 1977 • Hannah
Decker, Sigmund Freud in Germany. Revolution and
Reaction in Science, 1893-1907, N. York, New York
International Universities Press, 1977 • Jacques Le
Rider, “La Psychanalyse en Allemagne” in Roland Jaccard
(org.), Histoire de la psychanalyse, vol.2, Paris,
Hachette, 1982, 107-43 • Eugen Kogon, Hermann
Langbein, Adalbert Rukerl, Les Chambres à gaz, secret
d’État (Frankfurt, 1983), Paris, Minuit, 1984 • Les Années
brunes. La Psychanalyse sous le IIIe Reich, textos
traduzidos e apresentados por Jean-Luc Evard, Paris,
Confrontation, 1984 • On forme des psychanalystes.
Rapport original sur les dix ans de l’Institut Psychanalytique
de Berlin, apresentação de Fanny Colonomos,
Paris, Denoël, 1985 • Chaim S. Katz (org.), Psicanálise
e nazismo, Rio de Janeiro, Taurus, 1985 • Geoffrey
Cocks, La Psychothérapie sous le IIIe Reich (Oxford,
1985), Paris, Les Belles Lettres, 1987 • Regine Lockot,
Erinnern und Durcharbeiten, Frankfurt, Fischer, 1985;
“Mésusage, disqualification et division au lieu d’expiation”,
Topique, 57, 1995, 245-57 • Ici la vie continue de
manière surprenante, seleção de textos traduzidos por
Alain de Mijolla, Paris, Association Internationale d’Histoire
de la Psychanalyse (AIHP), 1987.
➢ COMUNISMO; ESCANDINÁVIA; FREUDO-MARXISMO;
HUNGRIA; ITÁLIA; JUDEIDADE; LAFORGUE, RENÉ;
MAUCO, GEORGES.